Autores: Wilson De Faria e Camila Chizzotti (*)
A atenção ao compliance nas empresas tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Trata-se de uma matéria relativamente nova em nosso ordenamento jurídico e de prática recente para as empresas nacionais.
Mesmo setores onde pouco se falava deste assunto aram a reconhecer a sua importância. Em função da nossa atuação profissional, temos nos deparado com algumas falhas e lacunas na implementação e execução de políticas de compliance e anticorrupção.
Estas questões são comuns em setores dos mais variados. Discorreremos aqui sobre algumas destas situações e sugestões para preservar os programas de compliance das empresas engajadas em sua efetiva implementação.
Um dos erros comumente cometidos por empresas multinacionais é a importação do programa de compliance de suas sedes no exterior sem a devida adaptação às peculiaridades da lei brasileira trabalhista e anticorrupção. A “tropicalização” dos programas é essencial para torná-los aplicáveis à nossa realidade.
Apesar da necessidade de que as normas internacionais também sejam compreendidas, o contexto e cultura locais devem ser considerados durante a implementação. Isso significa, por exemplo, que as políticas e os treinamentos devem abordar situações locais e hipóteses correntes em nosso contexto cultural de violações ao programa.
Outro aspecto relevante é considerar a legislação trabalhista e a jurisprudência brasileira na definição de códigos de ética e conduta. Algumas condutas previstas em Códigos “importados” ferem frontalmente o entendimento de nossas cortes trabalhistas e podem causar, por exemplo, acusações de assédio moral.
Outra falha refere-se à elaboração de códigos de ética e políticas específicas, que, por vezes, são demasiado extensas, densas, pouco claras, e com carência de exemplos e casos aplicáveis à rotina dos colaboradores. Ademais, será pouco efetiva a divulgação de códigos de ética e novas políticas se não forem seguidas de treinamentos regulares.
A mesma atenção vale para os protocolos de investigação interna de denúncias meramente “traduzidos” da matriz. A forma como são efetuadas investigações e apurações de denúncias nos Estados Unidos, por exemplo, são consideradas agressivas em nosso contexto e já há precedentes de condenações em decisões judiciais por assédio moral nesse tema[1].
O processo de coleta e preservação de informações em investigação de denúncias, principalmente aquelas encontradas nos dispositivos móveis dos colaboradores, deve levar em consideração o limite tênue imposto pelo direito constitucional à privacidade e à intimidade. As entrevistas com colaboradores potencialmente envolvidos devem ser conduzidas de maneira não inquisitiva, de modo a não constranger os entrevistados.
Algumas medidas para mitigar falhas neste procedimento:
- O entrevistado deve ser informado que foi convidado a cooperar com o esclarecimento de determinada situação;
- O entrevistado deve ser informado que as informações fornecidas serão utilizadas pela empresa de forma a esclarecer o fato;
- Se a entrevista for conduzida por advogado, esse deve deixar claro que não está atuando como advogado do entrevistado, mas da empresa;
- A depender das circunstâncias, recomenda-se o alerta de que o entrevistado é livre para não participar da entrevista e que pode recusar-se a responder determinadas perguntas;
- Solicitar a autorização expressa do entrevistado para a gravação da entrevista antes do seu início, quando esta for necessária e recomendável à investigação;
- Deve-se evitar acusação direta aos investigados e as perguntas devem ser formuladas de maneira clara e objetiva, evitando pré-julgamentos;
- Devem ser feitas de maneira individual e conduzidas por ao menos duas pessoas.
Ao adotar as medidas elencadas, a empresa certamente mitigará os riscos envolvidos em processos de investigação. Ainda nesse tema, outra falha comum são as investigações internas sobre casos de grande complexidade ou impacto ambiental, reputacional e financeiro por agente interno sem o apoio de assessor externo.
Estas investigações carecem de legitimidade perante a comunidade, o mercado e os reguladores. A Operação Zelotes contém vários exemplos de empresas acusadas de ações de corrupção que fizeram suas próprias investigações internas e se declararam livres de irregularidades, apesar das inúmeras provas levantadas e acusações criminais movidas pelo Ministério Público.
Nesses casos, a imparcialidade garantida por uma equipe de investigação externa pode ser fundamental para a própria continuidade dos negócios, especialmente para empresas de capital aberto, instituições financeiras ou empresas que tenham instrumentos financeiros ou valores mobiliários negociados no mercado internacional.
A depender da gravidade e extensão do caso investigado, a utilização de recursos externos pode prevenir a empresa de uma penalidade a ser imposta por agentes reguladores (Cade, TCU, MPF, Department of Justice, Securities and Exchange Commission, etc.), ou reduzir os valores cobrados a esse título.
Uma investigação por ente externo possibilita a manutenção do privilégio de documentos revisados e das comunicações trocadas entre clientes e advogados (no caso da contratação de advogados externos), melhores resultados em situações sensíveis ou que demandam estratégia jurídica especializada, o acompanhamento por equipe com experiência em situações semelhantes, credibilidade das investigações perante as autoridades e dedicação exclusiva para conclusão do trabalho no menor tempo possível.
Finalmente, uma das falhas mais comuns que encontramos é a incompreensão pelos colaboradores do papel do compliance officer na organização. Apesar da existência desta posição em boa parte das organizações de médio e grande porte, esses profissionais por vezes não são vistos como componentes essenciais.
Essa percepção se reflete em falta de inclusão do departamento de compliance em reuniões críticas e na revisão de novos projetos ou de ações comerciais, falta de e financeiro ao departamento, não priorização de treinamentos da área, falta de apoio para contínua atualização de políticas, não envolvimento em operações de M&A, etc.
Estes obstáculos serão superados somente se a alta gestão da empresa adotar as ações de compliance como prioritários, e incorporarem estas políticas em suas preocupações e ações diárias (“tone from the top”). A alta istração deve entender que compliance não é entrave, mas parceiro dos negócios. Um parceiro focado em fazer a coisa certa, criar uma cultura positiva para os acionistas, colaboradores, sociedade e ainda garantir a perenidade da empresa.
Autores: Wilson De Faria é advogado e de empresas, pós-graduado em Direito, mestre em istração pelo INSEAD/França, membro do STEP – Trust and Estate Practioner e sócio da WFaria Advogados.
Camila Chizzotti atua na área de Governança, Risco e Compliance com ênfase na implementação ou revisão de programas de compliance, atendimento a nova lei anticorrupção e principais legislações internacionais. Membro do Grupo de Trabalho Contra a Corrupção e pela Integridade do Instituto Ethos. Graduada em Direito pela PUC/SP, com pós-graduação na London School of Business & Finance.