Ancine erra ao tentar regulamentar mercado de games, que são softwares

Autoras: Lisa Worcman e Caroline Pires de Aguiar (*)

 

À luz da crescente representatividade econômica do setor de games, recentemente foi colocada em consulta pública pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) a análise de impacto regulatório sobre o setor de jogos eletrônicos no país.

Em síntese, o relatório disponibilizado analisa a cadeia de valor do mercado de jogos, comparando-a com as cadeias de setores do audiovisual; avalia a oferta e demanda de jogos eletrônicos no mercado brasileiro; mapeia as iniciativas em políticas públicas voltadas ao setor no país; e discorre sobre os aspectos tributários aplicáveis às empresas do setor.

Entendemos que essa proposta de regulamentação do setor de jogos eletrônicos pela Ancine deve ser cuidadosamente analisada. Por mais que a agência tente aproximar os jogos eletrônicos do conceito de obras audiovisuais, entendemos que essa compatibilização não é adequada, tendo em vista que a legislação define o termo obra audiovisual como sendo o produto da fixação ou transmissão de imagens.

Por outro lado, uma das características inerentes à modalidade dos jogos eletrônicos é a interação com o jogador por meio de um grupo de instruções utilizadas em um dispositivo específico, assim entendemos que estes se enquadram no conceito de software – e não de uma obra audiovisual.

O conceito de software no Brasil está previsto na Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, a qual dispõe que o termo “programa de computador” é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em e físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Nesse sentido, para que um bem seja classificado como software é necessária a presença de alguns requisitos, quais sejam: (i) a existência de um grupo de instruções codificadas ou não; (ii) a utilização de um dispositivo de informação e processamento automático; e (iii) a certificação de que esses dispositivos operem de maneira específica e de acordo com objetivos delimitados.

Apesar disso, caso persista a equivocada aproximação entre os jogos eletrônicos e o conceito de obras audiovisuais e seja concretizada a regulamentação dessa atividade pela Ancine, podem haver impactos para as empresas do setor. Entre eles, destacamos a possibilidade de vir a ser cobrada a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sobre o registro de títulos de jogos eletrônicos e quando do pagamento, emprego, crédito, remessa ou entrega de importâncias ao exterior.

Por fim, importante mencionar que o rol de competências legalmente previstas para a Ancine é restrita à regulação da indústria cinematográfica e videofonográfica, não havendo qualquer menção ao mercado de jogos eletrônicos.

Portanto, para que a Ancine regulamente além do setor audiovisual o setor de jogos eletrônicos, entendemos ser necessária a elaboração de nova legislação sobre o assunto. No mesmo sentido, entendemos que eventual cobrança de Condecine sobre jogos eletrônicos, sem a devida previsão legal, seria uma afronta ao princípio da legalidade.

 

 

 

 

 

Autoras: Lisa Worcman é consultora da área tributária do Pinheiro Neto Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e Direito do Entretenimento pela New York University, com MBA em Gestão Econômica e Financeira pela Fundação Getulio Vargas.

 Caroline Pires de Aguiar  é associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.


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